Uma barata a meia luz

Mariana Camara
2 min readJan 4, 2022

Senti ela tocando nos meus pé. Naquela madrugada solitária e caótica. Talvez ela sentiu a minha tensão e perdeu seu medo de mexer comigo.

Ao olhar para baixo, pude ver aquele ser pequeno e asqueroso correr por entre os fios do computador. Era uma pequena barata. Ao olhá-la, senti meu corpo se comprimir sobre a cadeira em um gesto de repulsa e medo. Baratas sempre me davam medo. Mas conviver, por alguns segundos, com ela me vez rever como e a via.

A luz rarefeita da vela a iluminar a sala me permitia vê-la tentar achar uma fuga. Ao observar esse artrópode correndo entre os fios, a mesa e o sofá, eu pude ver que só existia uma pessoa com medo: ela. Eu não estava com medo desta barata, mesmo pedindo a Oxalá que alguém acordasse e pudesse me acudir. Talvez eu estivesse intrigada em como ela chegou ali e que ela não viveria muito.

Vê-la com medo de mim me fez perceber que meu medo dela não existia, afinal eu era maior que ela. A qualquer momento eu poderia levantar e meter uma chinelada nela. Mas eu não o fiz. O seu desespero em sair dali era tanto que me tocou profundamente e não fez cócegas em meu coração, igual suas antenas fizeram nos meus dedos do pé.

E vendo ela sendo morta por alguém que finalmente veio me salvar de uma coisa que já não sentia mais, e jogá-la num saco junto com a sua pequena vida que nunca mais iria voltar, me deu muita pena dela. Com ela foi um pouco da minha solidão noturna, um pouco da minha raiva do sistema caótico e algumas reflexões vazias.

Eu não queria criá-la, nem amá-la. Eu não queria nada dela assim como ela não queria nada de mim.

Eu fui diferente com ela. Talvez eu ainda desmaie diante de outras baratas. Mas eu fui diferente e ela também, talvez.

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Mariana Camara

Macumba, musculação, literatura, lesbianidade e surtos de escrita que me fazem ir e voltar deste lugar. Insta: @mariric_